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Não é medo, é pânico mesmo!

Desde que me conheço que nunca achei piada a grávidas. E com isto quero dizer que elas me davam pena. Sentia pena porque achava que elas estavam em sofrimento. Então, estavam inchadas, mais ou menos gordas, mas invariavelmente com uma barriga grande, tinham um andar esquisito, parecia que se arrastavam, cansavam-se com facilidade, outras ficavam com a pele toda estragada. Isto já para não falar de todos os problemas clínicos que podem ser acontecer numa gravidez. Perante isto, só me restava lamentar o que lhes estava a acontecer e desejar-lhes o melhor. Raramente me ocorria pensar que as mulheres grávidas (pelo menos algumas) gostassem efectivamente de estar grávidas e que nem sentiam o que lhes estava a acontecer. Raramente pensava que tudo aquilo era porque um bebé estava a crescer dentro delas. Só pensava que deviam estar num sofrimento enorme. Coitadas. Ou melhor, coitada de mim, claro.

Não sei a origem desde medo de gravidez e de partos, chamado de tocofobia. A minha mãe sempre me falou que o meu parto foi muito simples, que não lhe custou nada, portanto não foi em casa que 'apanhei' isto. Por outro lado, tenho uma lista quase interminável de outras fobias (elevadores, voar, espaços pequenos, multidões, locais remotos, às vezes até de estar sozinha, e podia continuar) que podem evoluir para crises de ansiedade e de pânico. Por isso, esta tocofobia pode ser apenas mais uma e não uma em especial.

Os partos, tal como quaisquer outros procedimentos médico-cirúrgicos, assustam-me imenso. Convivo bem com a presença de sangue, já vi coisas bastante traumatizantes na família e acompanhei de perto cirurgias complicadas e com mau aspecto. Nessa altura, consigo portar-me bem, dar força aos outros, fazer os cuidados necessários sem que me custe. Chego até a pensar que preferia estar eu no lugar dessa pessoa porque aguentaria melhor. Mas há zonas do corpo que me causam uma particular espécie. São essas mesmas que estão a pensar.

Quando pensei em engravidar pelos meios normais, comecei a procurar informação junto de mães recentes. Perguntava como tinha sido a gravidez, perguntava se tinha sido assim tão desagradável como eu imaginava e queria detalhes sobre o parto. Perguntava aos meus amigos médicos a sua perspectiva, também, e recolhia toda a informação possível. Achava sempre tudo muito doloroso e difícil, independentemente do que me dissessem.

Engravidei aos 35 anos porque não tinha grande vontade de sofrer com uma gravidez antes. Só queria ter dinheiro para alugar uma barriga que pudesse gerar a minha criança. Informei-me sobre adopção. Ter filhos biologicamente é que não podia ser. Adiei, adiei, adiei, até não poder adiar mais. Pensei "se morrer morro, mas tenho que tentar". E, quase inconscientemente, procurei ajuda médica e toca a tentar engravidar. Nunca pensei que fosse acontecer tão rápido. Quando descobri que estava grávida, fiquei em pânico. Mas também feliz por ser uma velha de 35 anos, ainda saudável o suficiente para engravidar tão facilmente e de forma saudável. Porém, em pânico porque não sabia onde me tinha metido. E, se num dia me sentia feliz por ser mãe, no dia seguinte pensava que já não queria. No mesmo dia tinha sentimentos muito contraditórios e era bastante aflitivo. Nunca me sentia desesperada pela criança em si, mas pela viagem que tinha que fazer até ao dia da chegada da criança.

Esta bipolaridade de sentimentos foi mais intensa no início da gravidez. E cheguei a escrever aqui que não gostava de estar grávida. No início, eu não me sentia grávida, não tinha barriga, não enjoava, o bebé mal se via na ecografia, só tinha a informação de que estava grávida, mais nada. Tudo isto fazia com que eu não me sentisse mãe... Não me lembro do momento em que me senti mãe. Provavelmente nem houve UM momento, mas quando fiz o rastreio bioquímico estava cheia de medo do resultado. Pior ainda foi quando decidi fazer a biópsia das vilosidades coriónicas. A decisão de a fazer, não tendo nada que indicasse que a fizesse, já revelou em mim uma preocupação maior com aquele bebé. Porém, se tiver que apontar um momento determinante foi quando, lá para as 18 ou 19 semanas, eu pedi à minha menina que me desse um sinal que estava lá e ela se mexeu pela primeira vez. Aí, sim, comecei a sentir-me mãe de outra maneira.

O mais surpreendente é que o medo da gravidez desapareceu por completo. Atenção, eu disse gravidez. O medo do parto não passou. A gravidez, pelo menos até agora, tem sido um processo fantástico. Tenho tido sorte porque não enjoei, não inchei e não engordei muito (vamos ver o que acontece daqui para a frente). Sim, sinto-me pesada, cansada, lenta, rebolo na cama para sair, sinto que tenho um andar estranho e nada disso me custa. A natureza é mesmo perfeita. Primeiro porque vamos sentindo essas mudanças muito gradualmente e depois as queridas hormonas fazem o resto. As minhas hormonas são umas fofas. Deixam-me feliz e satisfeita com a minha gravidez.

Agora, o parto é outra história. Deus queira que eu esteja a falar do parto, daqui a uns meses, da mesma forma que falo hoje da gravidez. Mas tenho dúvidas. A incerteza do que vai acontecer e quando vai acontecer desespera-me. Tenho o privilégio de ter uma cunhada (a tia da minha criança) enfermeira especialista em saúde materno-infantil, fez imensos partos, trabalha no serviço de obstetrícia e ginecologia, tenho uma amiga anestesista e uma série de outros médicos e cirurgiões noutros serviços. Todos me explicam os procedimentos de forma muito descontraída e calma, mas acham que isso me sossega? Nada, mas nada mesmo. Quando penso que quero muito conhecer a minha filha, logo me lembro de que tenho que passar pelo parto e perco logo o interesse. Acho que vou morrer e a minha filha fica cá sozinha. É horrível!

E, já que estou a partilhar as minhas fragilidades, aproveito para confessar a outra coisa que não me tem saído da cabeça. Lembram-me quando lá bem no início deste longo texto eu disse que tinha medo de andar de elevador? Pois, não sei como vou fazer... A entrada nas urgências do hospital faz-se no piso -1, o bloco de partos é no piso 1 e a obstertrícia é no piso 4. Sempre que tenho ido ao hospital, faço questão de ir pelas escadas. E já tive situações mais ou menos complicadas, mas o pânico do elevador falou mais alto. Se eu estiver consciente na altura do parto, espero que me dêem uma mocada na cabeça antes de me meterem no elevador, ou vão ouvir-se muitos gritos. Sou só eu que sou assim? Ou haverá mais mães loucas como eu?

publicado às 20:17


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