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A descrição de uma viagem que começou com um teste de gravidez POSITIVO
Estou a precisar muito de falar sobre este tema porque eu vivo com ansiedade.
Aos vinte e poucos anos, em plena época de exames determinantes para terminar o curso, tive o meu primeiro ataque de ansiedade. Na altura, não sabia o que era. Estava sozinha em casa, sem namorado, sem colega de casa. Comecei a sentir umas palpitações estranhas, calor, sentia que podia desmaiar a qualquer momento... Liguei a uma amiga e fomos ao centro de saúde porque eu achava que aquilo só podia ser uma gripe. Não era gripe. Não tinha febre, não tinha nada. Desvalorizei.
Uns meses mais tarde, já trabalhava como professora estagiária, voltei a ter a mesma sensação. Estava a morar sozinha numa casa dos meus pais e tinha passado o verão toda orgulhosa de ser independente. Morar sozinha, ter o meu ordenado, tudo perfeito. Na segunda noite que lá dormi, a minha mãe liga-me a dizer que o meu pai estava um pouco adoentado e febril. Minutos mais tarde, começo a sentir eu essa febre, calor e o desmaio iminente. Resolvi ir dormir a casa dos meus pais. Pelo caminho senti-me pior e dirigi-me ao hospital. Como é óbvio, não detectaram nada, mas, pela primeira vez, receitaram-me um calmante. Ou seja, identificaram claramente o problema, mas não me disseram nada. Quando vou à farmácia aviar a receita é que percebi que eles achavam que eu não estava bem da cabeça. Não tomei nada do que me receitaram porque era uma medicação forte e eu tenho uma aversão a remédios. Sobretudo deste tipo.
Já não voltei a morar naquela casa. Lá se foi a independência! Passei a ficar com os meus pais porque eu precisava desse conforto e desse mimo. Grande parte desse ano lectivo foi vivido com ansiedade, com as palpitações, o medo, sei lá. Achei que era por estar a estagiar, fui levando a coisa da melhor forma possível. A primavera chegou e tudo se diluiu. O estágio correu muito bem, já não havia grandes motivos para estar ansiosa. Nunca procurei ajuda médica, nunca tomei nada. A ansiedade não me afectou a vida porque eu nunca deixei de fazer nada. Pontualmente, tinha uns episódios de ansiedade, sobretudo em espaços fechados com muita gente, por exemplo em discotecas. Uma amiga minha já sabia que eu tinha que me colocar perto da saída e não podia estar em locais mais apertados. Se eu me sentisse segura, estava tudo bem.
Quase 10 anos mais tarde, fiquei a saber o que é ter ansiedade que nos paraliza por completo. Já tinha saído de casa e já tinha regressado novamente. Os meus pais divorciaram-se quando eu fiz 30 anos. Vivi tudo com eles e foi dolorosíssimo. Nunca pensei que me custasse tanto, sendo eu uma adulta em vésperas de me casar. Se, por um lado, eu sabia que que era o melhor para todos, por outro lado, perde-se qualquer coisa dentro de nós que nunca mais se recupera. Voltaram as palpitações e o medo, mas de uma forma avassaladora e intensíssima. Não conseguia estar em casa sozinha. Se a minha mãe precisasse de sair, a minha vizinha tinha que ficar lá. Não conseguia andar de carro sozinha. Felizmente, nunca deixei de conduzir, mas tinha que estar sempre acompanhada. Fiquei com pânico de andar em auto-estradas porque não podia sair quando quisesse. Deixei de ir a locais públicos, tipo cafés, restaurantes, bares... Deixei de estar com todos os meus amigos, pois eu não saberia como explicar que não conseguia estar com eles. Afastei-me. Sempre que eu tentava contrariar os meus medos, era ainda pior. Começa a sentir-me mal e as pessoas não percebiam porque é que eu insistia que tinha que ir embora, fugir dali. Fazia figura de idiota. Os meus pais e o meu namorado (hoje meu marido) tentavam compreender o que eu tinha, mas não conseguiam. Eu própria não sabia por que tinha aquilo. Sempre fui uma pessoa que saía imenso à noite, de dia, andei milhares de kilómetros de carro, vivi sozinha em 2 cidades que não a minha, não percebia o que era aquilo, mas era muito mau. A minha vida parou durante uns meses e eu deixei de existir. Se estivesse em casa, no meu ambiente, estava bem. Não me sentia deprimida ou triste, apenas queria ficar quieta em casa. O facto de eu trabalhar em casa também não ajudou muito. Nunca precisei de perder um único dia de trabalho que fosse por causa disto, o meu trabalho nunca foi afectado. Aliás, o trabalho era uma excelente desculpa para eu não sair de casa. Durante esses meses fui, até, promovida. Pudera, estava sempre a trabalhar e disponível para tudo!
Como ninguém percebia o que eu tinha, resolvi pesquisar sobre o assunto e rapidamente cheguei à ansiedade e aos ataques de pânico. Foi um alívio ver que o que eu sentia tinha um nome e era muito comum em mulheres da minha idade. Havia realmente um padrão. Resolvi que não podia continuar assim, que a minha vida não podia ficar paralizada, até porque me ia casar dali a pouquíssimo tempo.
Procurei uma médica psiquiatra, que já acompanhava uma amiga minha, mas avisei-a logo que não queria tomar medicação forte. Não queria sentir-me drogada, lenta, pesada, alheada da vida. Ela concordou e receitou-me um ansiolítico e valeriana, apenas. E exercício físico. Esta psiquiatra fez-me psico-terapia, receitou-me livros para eu ler e para discutirmos. Não foi um processo rápido, devido à minha relutância em aceitar medicação mais forte, mas consegui ultrapassar a ansiedade. Confesso que nunca mais fui a mesma pessoa. Houve coisas que nunca mais consegui fazer. Mas consegui casar-me. Foi daqueles dias que eu pensei que fosse morrer. Aliás, a noite anterior foi terrível. Surpreendentemente, o dia do casamento foi calmo para mim. Os ansiolíticos ajudaram imenso. Os meses seguintes foram um desafio. Com passos curtos, lá fui tentando levar uma vida mais próxima do normal. Houve quem nunca tivesse percebido o que eu tive.
Agora, que fui mãe, a nuvem da ansiedade regressou. Não saio de casa, nem consigo sair sozinha. Ir a espaços públicos é terrível, pois estou com medo permanente de desmaiar e é uma angústia enorme. O meu marido força-me a sair, mas a maioria das vezes é penoso e arrependo-me sempre de lhe ter feito a vontade. Ele continua a não perceber porque é que isto acontece. Antes eu saía para todo o lado e agora não consigo. Tenho medo de quê? Não vai acontecer nada. Sair de casa e encontrar uma fila de trânsito é o suficiente para me sentir encurralada, ficar cheia de calor e com tonturas. Tem sido terrível porque é difícil explicar um problema que não se vê. Se eu tivesse uma dor num braço, tudo bem, o braço é visível, dói, é normal. Uma dor que é só minha, só eu é que a sinto e a compreendo, é difícil de explicar. Falar sobre o assunto, ajuda-me. Sempre que tento falar com alguém sobre isto, as pessoas parece que ficam envergonhadas porque não sabem o que me dizer. "Pois, tens de procurar ajuda." Obrigada, a sério. Se estou a falar contigo, é porque te estou a pedir ajuda, não é?
Ninguém gosta de ouvir os nosso lamentos. É aborrecido ouvir as pessoas a queixar-se. Nós queremos é gente falsa ao nosso lado. Gente a quem perguntamos se está tudo bem e nos responde que sim, está tudo excelente. Pessoas que nos poupem aos seus problemas. As pessoas já têm que levar com as suas desgraças, não têm tempo para resolver as nossas. O mundo actual está desenhado para pessoas que vivem e resolvem os seus problemas sozinhas. Que escondem e camuflam os seus sentimentos e mostram sempre a mesma cara aos outros. Infelizmente para mim, não consigo ser assim. Talvez fosse muito mais feliz se conseguisse ter alguns momentos de hipocrisia. De que adianta vivermos em sociedade, inseridos em grupos sociais mais ou menos pequenos, se nem para nos ajudarmos uns aos outros servimos?
Já percebi que, uma vez mais, vou ter que passar por este inferno sozinha. Como das outras vezes, houve um momento de grande stress que despoletou tudo isto. Primeiro foram os exames, depois o estágio, o divórcio dos meus pais e, agora, não foi o nascimento da minha filha, não. Tê-la comigo é o melhor ansiolítico que eu posso tomar. Apesar de muita gente gostar de apontar a gravidez ou a maternidade como desculpa para muita coisa, pois são as hormonas, é a depressão pós-parto... só balelas de quem não quer ver as coisas a fundo. Não, não foi nada disso. Mas a culpa é exclusivamente minha por me deixar afectar por pessoas que não valem um segundo da minha atenção. Até ao dia de hoje aguardei por um pedido de desculpas. Já percebi que não vai chegar e agora também não preciso dele, nem o quero. Podem ficar com as desculpas como recordação. Da minha parte, haja sempre memória para que eu nunca esqueça o que eu estou a passar.
E, já agora, para quem acha que eu falo demasiado sobre mim, só acrescento mais uma coisa (sim, alguém próximo acusou-me de falar muito de mim). Não é isso que todos devíamos fazer? Falar da nossa vida? É que se querem que eu fale dos outros, é só dizerem. Tenho imenso para contar.
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